“[Tolstoi] é muito mais moderno do que Dostoiévski. Tolstoi foi talvez o primeiro a entender o papel do irracional no comportamento humano. O papel desempenhado pela estupidez — mas principalmente pela irresponsabilidade das acções humanas guiadas por um subconsciente que é ao mesmo tempo descontrolado e incontrolável. Releia as passagens que precedem a morte de Anna Karenina. Por que se matou ela sem que realmente o quisesse fazer? Como nasceu a sua decisão? Para captar essas razões, que são irracionais e evasivas, Tolstoi fotografa o fluxo de consciência de Anna. Ana está numa carruagem, as imagens da rua misturam-se na cabeça dela com os seus pensamentos ilógicos e fragmentados. O primeiro criador do monólogo interior não foi Joyce, mas Tolstoi, nesssas poucas páginas de Anna Karenina.” (Milan Kundera, citado por Ana Cristina Leonardo, in Ípsilon de 29-03-2024, p. 31)
No mesmo artigo, Ana Cristina Leonardo apresenta o seguinte extracto do longo poema “Desespero da Piedade”, de Vinicius de Moraes, cuja versão completa pode encontrar-se na Internet.
“Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos /Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão /Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes /Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também”
Mais adiante pode ler-se o seguinte trecho de Jorge Luis Borges.
“Negar a sucessão temporal, negar o eu, negar a ordem astronómica, são desesperos aparentes e consolos secretos. Nosso destino é espantoso porque é irreversível e de ferro. O tempo é a substância de que sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me destroça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo. O mundo desgraçadamente é real; eu, desgraçadamente, sou Borges.” (“Nova Refutação do Tempo”, de Jorge Luis Borges, in “Outras Inquirições”, ed. Quetzal, 2020)
No mesmo artigo podemos ler o seguinte:
“As teorias conspirativas multiplicam-se e o atentado terrorista na Rússia [em 22 de Março de 2024] veio lembrar-nos que o real salta de onde menos se espera. Não há profetas (ou comentadores políticos), por maior que seja a sua pedalada, que consiga acompanhá-lo.”
Os terroristas que executaram aquele atentado não tiveram a coragem de se suicidarem antes de serem capturados. Agora vão ser transformados em carne picada e nunca sairão vivos da prisão.
“Tememos o futuro apenas quando não temos a certeza de que poderemos matar-nos quando quisermos”. (Emil Cioran)
Possivelmente aqueles terroristas temiam o futuro mas não devem ter imaginado que, no seu caso, a morte seria muito preferível à vida. Lamentáveis incoerências da mente humana!
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