A evolução de qualquer sistema material, seja ele inanimado ou vivo, é orientada pelo Espírito Universal, que é a sede de todas as leis naturais (ver o post 2022-20). Por outras palavras, o comportamento de qualquer sistema material é a reacção automática e inevitável do mesmo às circunstâncias, determinada pelas leis naturais em função da natureza do sistema.
A tendência de qualquer pessoa para se colocar fora do mundo cria nela a chamada ilusão do livre-arbítrio: a convicção de que determina o seu caminho na vida. Mas ao mesmo tempo a evolução do mundo cada vez desagrada a mais cidadãos, como a crescente popularidade do populismo de extrema-direita comprova. A verdade é que essa evolução é automaticamente determinada pelas circunstâncias, pelas leis naturais e pelo acaso. Aquilo que fazemos é-nos imposto por aquelas leis, como resposta às circunstâncias (ver o post 2024-1). A insensibilidade do mundo é uma consequência da natureza inelutável das leis naturais.
O indeterminismo quântico, vulgarmente designado por acaso, não permite prever exactamente o futuro a partir das circunstâncias actuais, mas não me parece que este indeterminismo permita sustentar a hipótese do livre-arbítrio.
É claro que o comportamento de cada pessoa depende da sua estrutura física. De facto, as leis naturais actuam sobre a matéria e as circunstâncias só são efectivas porque alteram constantemente a estrutura material dos cérebros, por efeito da neuroplasticidade (ver o post 2022-2). A neuroplasticidade implica que a natureza de um ser vivo depende, em qualquer momento, da sua natureza inata e de toda a experiência de vida.
“A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” (Albert Einstein)
A educação e o sofrimento são os mais importantes factores de humanização. O sofrimento obriga o homem a reflectir sobre o sentido da vida. A vida boa nunca melhora os homens.
“O sofrimento é um dos grandes mestres da vida.” (Bryant H. McGill)
“O homem não pode fazer-se sem sofrer, pois é ao mesmo tempo o mármore e o escultor.” (Alexis Carrel)
“O sofrimento é o melhor remédio para acordar o espírito.” (Émile Zola)
“Todo o pensamento novo é pensado sobre uma ferida.” (Boaventura de Sousa Santos, in “Miniaturas do Mundo – Livro de Indícios” p. 90)
Sem uma significativa alteração das circunstâncias, especialmente a educação média dos cidadãos, a Humanidade continuará a ser a selva que tem sido até agora.
Pensemos nos dois acontecimentos seguintes: um cão que mata uma criança à dentada e um homem que dá um tiro na namorada, porque esta o abandonou. Penso que as leis naturais dão uma explicação completa dos dois acontecimentos, mas algumas pessoas têm dificuldade em aceitar isso no segundo caso, devido à ilusão do livre-arbítrio. No entanto, não pode haver dúvidas de que os mesmos processos naturais explicam os comportamentos de todos os mamíferos.
Em defesa do livre-arbítrio, alguns dizem que uma pessoa, ao decidir praticar uma acção, poderia ter decidido diferentemente. Creio que isto é falso. Em dadas circunstâncias, o comportamento de uma pessoa é teoricamente previsível, com algum grau de erro devido ao acaso. Na prática só uma coisa impede essa previsão: o facto de não conhecermos todas as leis que governam o comportamento dos seres vivos.
Uma prova recente da imprevisibilidade da realidade humana: um governo com maioria absoluta que cai a meio da legislatura.
Se na corrente de um rio fosse dada consciência a uma das moléculas de água, mas mantivéssemos todas as leis que governam a corrente, a molécula consciente continuaria a comportar-se como as outras. Há semelhanças entre a situação das moléculas de água num rio e a dos homens numa sociedade. Mas há também diferenças importantes: as leis que governam o comportamento dos seres vivos são muito mais complexas do que as leis da hidráulica, e além disso a consciência permite que os estímulos externos modifiquem a estrutura física do ser vivo através da neuroplasticidade. Mas em cada momento as leis naturais é que determinam o passo seguinte, sem que ninguém possa prever todas as consequências de cada passo. Pensar que temos uma vida com alguma autonomia é uma ilusão que não podemos evitar. Na verdade apenas participamos da vida do Espírito Universal, que é completamente incognoscível. Assim, não podemos saber se a nossa vida tem algum objectivo admirável.
Somos “moléculas” do rio da vida, aprendendo constantemente a navegar e a suportar os acidentes do leito. Além disso, o passado que está na nossa memória é presente.
“Love isn’t a choice. It’s a compulsion.” (C. J. Tudor)
“People say there’s nothing stronger than love. They’re right. That’s why the worst atrocities are always committed in its name.” (C. J. Tudor)
“O importante é a lembrança dos erros, que nos permite não cometer sempre os mesmos. O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro dos seus erros, a larga experiência vital decantada por milénios, gota a gota.” (Ortega y Gasset)
“A nossa actividade de decisão não descansa um instante sequer. Mesmo quando, desesperados, nos abandonamos ao que vier, estamos decidindo não decidir.” (Ortega y Gasset) Mas na verdade as leis naturais é que decidem. Estas promovem as relações entre os seres humanos e, actuando sobre todos eles ao mesmo tempo, determinam os comportamentos individuais e colectivos, que também são influenciados pelo acaso. Normalmente, quem acredita no livre-arbítrio pensa que os seus sucessos são devidos à justeza das decisões. Mas quase sempre atribuirá os seus insucessos ao azar.
“Eu sou eu e a minha circunstância e se não a salvo a ela, não me salvo a mim.” (Ortega y Gasset) Isto é, cada homem é formado pela interacção da sua natureza com o ambiente que o rodeia. Ele procura modificar este ambiente de modo a satisfazer a sua natureza, mas só se salvará se conseguir melhorar esse ambiente.
“Nas grandes crises históricas não sabemos o que nos acontece, e isto é precisamente o que nos acontece, não saber o que está acontecendo. O homem sente-se nelas desorientado a respeito de si mesmo, encontra-se fora do seu país, atirado para uma nova circunstância, que é como uma terra desconhecida.” (Ortega y Gasset, in “A rebelião das massas”)
Estando o homem iludido a respeito de si mesmo, não
pode haver dúvidas de que está iludido a respeito de Deus.
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