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Metáforas e mitos, 2024-58

Uma metáfora é uma figura de estilo que visa esclarecer, por meio de palavras e/ou imagens, uma realidade que não podemos conhecer completamente. Mas este esclarecimento só convence aqueles que partilham do ponto de vista do autor da metáfora. 

As metáforas são muito úteis para explicar tópicos complexos em termos simples e familiares. Mas uma metáfora elucida apenas um aspecto de uma questão, sem dar uma explicação completa.

Uma vez que a “coisa em si” (realidade absoluta) é incognoscível, muito do conhecimento humano é metafórico e é portanto, em larga medida, uma construção da mente. Assim, podemos compreender a seguinte frase de Pierre Bourdieu: “The mind is a metaphor of the world of objects”.

O que dizemos é uma metáfora do que sentimos. Dado que o invisível não pode definir-se, uma metáfora não é uma definição. Uma metáfora tenta explicar o inefável através de ideias que sabemos definir.

Exemplos de metáforas: “O amor é fogo que arde sem se ver” (Camões); Deus é o nosso pai; “Eu sou a porta” (Jesus Cristo); A origem da vida é a célula primordial; A lógica é a matemática do Espírito.

As metáforas mais extensas são chamadas alegorias. Exemplos: o mito da caverna (Platão); a “revolução dos bichos” (George Orwell); o sermão de Santo António aos peixes (Padre António Vieira).

A mais misteriosa característica dos seres humanos é a sua capacidade para inventar histórias com o objectivo de definir o sentido da sua existência. Por isso, nas palavras de Muriel Rukeyser, “O mundo [humano, claro] é feito de histórias, não de átomos”. Esta capacidade só pode ter origem na Consciência Universal.

Our myth-making capacity may be our key role in the dance of existence. (Bernardo Kastrup)

“What is a story? A story is also a metaphor, a model of some aspect o human behavior. It is a thought machine, by which we test out our ideas and feelings about some human quality and try to learn more about it.” (Christopher Vogler)

Muitas das narrativas que o homem produz estão fora do mundo dos factos e só acreditamos nelas porque dão sentido à nossa vida. Como essas narrativas pertencem ao mundo da sensibilidade, não podemos falar de verdade a respeito delas. (Não existem emoções falsas.) Essas narrativas são ficções alegóricas.

Através dos factos, cada um deles associado a um ponto do espaço-tempo, é que os seres humanos se mantêm presos à matéria. No âmbito das ideias só a lógica impõe restrições. Há pessoas que se dão mal com os factos e preferem acreditar em narrativas que a ciência já mostrou serem falsas. Este é o caso de Trump. O narcisismo patológico e a ignorância levam-no a desconfiar da democracia e da ciência.

“A myth is a metaphor for a mystery beyond human comprehension. It is a comparison that helps us understand, by analogy, some aspect of our mysterious selves. A myth, in this way of thinking, is not an untruth but a way of reaching profound truth.” (Joseph Campbell) Um mito não é uma mentira, é uma metáfora. Mas um mito que não eleva espiritualmente os seres humanos é inútil e pode ser perigoso.

Por vezes usa-se o termo mito como sinónimo de mentira. No entanto, não é correcto chamar mito a uma afirmação que a ciência já provou ser um erro. Os mitos estão fora do âmbito da ciência.

A myth is a way of making sense in a senseless world. Myths are the narrative patterns that give significance to our existence. Myths are like the beams in a house: not exposed to outside view, they are the structure which holds the house together so people can live in it.” (Rollo May)

Os mitos são alegorias destinadas a explicar a natureza humana e a enquadrar o homem na evolução do mundo. Exemplos: o mito de Rómulo e Remo; o mito de Midas; o mito de Ícaro; o mito da caixa de Pandora; o mito de Prometeu; o mito da Atlântida; o mito do messianismo; o mito de Narciso; o mito de Lúcifer; o mito de Sísifo; o mito de Cronos; o mito do juizo final; o mito da meritocracia (ou do sonho americano); o mito da dignidade exclusiva da natureza humana; o mito do maniqueísmo.

“Um mito é também uma máscara de Deus, uma metáfora para o que se esconde para além do mundo visível.” (Bill Moyers)

“Myth is much more important and true than history. History is just journalism and you know how reliable that is.” (Joseph Campbell)

Myths are public dreams, dreams are private myths.” (Joseph Campbell)

A religious myth infuses ordinary aspects of life with enchantment and significance: accidents and coincidences become invested with hidden purposes; our actions in the world acquire the importance of a cosmic mission; our suffering becomes the carrier of critical insights; even objects and people around us acquire a numinous aura. (Bernardo Kastrup)

No post do filósofo John Gray, publicado no “BBC Magazine” e intitulado “A Point of View: Can religion tell us more than science?”, pode ler-se:

“Human beings don't live by argumentation, and it’s only religious fundamentalists and ignorant rationalists who think the myths we live by are literal truths.”

“The idea that humans will rise from the dead may be incredible, but no more so than the notion that ‘humanity’ can use science to remake the world.”

“What we believe doesn’t in the end matter very much. What matters is how we live.”

 

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