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A necessidade da religião, 2025-19

No dia 08-05-2025, na Sic Notícias, pouco antes de se saber quem era o novo Papa, o teólogo Henrique Pinto disse o seguinte:
“Enquanto pessoas, precisamos de viver de ilusões, precisamos de nos iludir todos os dias. Cada um de nós precisa de âncoras para dar sentido à sua vida, para se manter com algum equilíbrio, alguma harmonia. A espiritualidade é um pouco tudo isso, tem a ver com uma panóplia muito ampla, muito plural de possibilidades que as pessoas encontram na sua vida e às quais se agarram para se manterem à tona de água. O Cristianismo continua a ser uma âncora para milhares e milhares de pessoas, tal como o Islão, o Hinduísmo, o Sikhismo, o Budismo, etc. são âncoras para tantos milhões de pessoas. Actualmente o mundo padece de falta de liderança, faltam líderes como o Papa Francisco foi para a Igreja.”

No artigo “O regresso do religioso – afirmação, crítica, subversão e profecia” (disponível na Internet), aquele teólogo afirma o seguinte:
“A exposição vulnerável e expectante do ser humano à possibilidade do impossível é, no entender de Caputo [John D. Caputo, filósofo e autor do livro “On Religion”], algo que é estruturalmente básico ou fundamental à experiência humana e o que faz de cada ser humano um ser religioso. Na verdade, o impossível, para Caputo, ao ser a condição que torna possível qualquer experiência, faz com que toda a experiência tenha um carácter religioso e que o religioso seja esta abertura para a possibilidade do que não é possível conceber.”

Se Deus é ilimitado, Ele inclui o Bem e o mal, sendo portanto contraditório e incompreensível.

“Deus é o único ser que, para reinar, nem precisa existir.” (Charles Baudelaire) Não sendo possível definir Deus com rigor, devido às limitações da mente humana, é improvável que um Deus imaginado exista.

“Eu Sou Aquele que é” (Ex. 3.14) Sendo o único ser necessário, de Deus só pode dizer-se que é.

“Se queres saber se Deus existe, não procures provas, mas experiências.” (Miguel Oliveira Panão, in “Da prova à experiência de Deus”, artigo disponível na Internet)
“Eu não acredito porque tenho fé que dispensa provas, mas por ter experiências que me mantêm a mente aberta ao que Deus quiser revelar sobre si próprio.” (idem)
Se Deus existir, Ele manifesta-se através dos homens mais sensíveis e não pode ser pensado independentemente deles. Deus é a explicação do Bem e só pode ser experienciado com a sensibilidade. “O mal é a ausência do Bem.” (Santo Agostinho)
A questão de Deus está fora do âmbito da ciência, porque esta estuda, com o auxílio da Razão, coisas percepcionáveis com os sentidos.

Partindo da hipótese de que, se existir, Deus existe necessariamente, para provar a sua existência temos de conseguir identificar as contradições que a sua não-exstência implicaria, o que exige uma definição completa de Deus. Como não possuímos esta definição, não é possível provar racionalmente a existência de Deus. Mas se, por definição, Deus é ilimitado, isto é, inclui tudo o que existe — ponto de vista de Espinosa —, então a sua existência não precisa de ser provada. Espinosa poderia parafrasear Descartes dizendo “Penso, logo Deus existe”.

“O Deus em que acreditamos não está por detrás da realidade, antes é a profundeza da realidade, o seu mistério, é a realidade da realidade.” (Tomás Halík, in “O meu Deus é um Deus ferido”, 2015, p. 80)

Em última análise, a espiritualidade é a consciência do mistério que toda a experiência humana encerra, isto é, o sentido de transcendência. Este mistério é expresso pelos mitos. Qualquer visão do mundo é suportada por três pilares: a ciência (assente nos sentidos e na Razão), as artes e a fé em mitos (assentes na sensibilidade). A ciência não abrange alguns aspectos da realidade humana, como as artes e a religião.

“A poesia não mora nas coisas, mora no olhar de quem as vê. É como o amor. A poesia é uma forma de amor, porque a poesia é uma forma de fé. E, tal como o amor, a fé é um salto no escuro. Quando uma pessoa ama, ama porquê? O que é que nos faz amar aquela pessoa? É a forma de andar? É a forma de olhar? E, se olhar de outra maneira, o que é que nos faz desamar? Que é outra coisa estranhíssima. Como é que se amou e depois se desama? Como é que vem a paixão e depois o desapaixonamento? É uma coisa que não se consegue explicar, mas é verdade. E, naquele momento, amar também é plenitude. A poesia é, de alguma maneira também uma forma de amor. Já dizia Camões que o amor é um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porquê. E dói, de facto.” (Ana Luísa Amaral, in entrevista publicada no Boletim Cultural de Amares n.º 3, p. 148)

“Ao manter a separação entre ciência e poesia, a nossa cultura é tola, porque se torna míope para a complexidade e a beleza do mundo, revelada por ambas.” (Carlo Rovelli, in “A realidade não é o que parece”, 2019)

O comportamento de uma pessoa depende dos dados sensoriais recebidos do mundo exterior e também do estado do cérebro, isto é, das experiências passadas. Aquilo que uma pessoa experiencia em cada momento é construído pela sua mente (ver “7 lições e meia sobre o cérebro”, de Lisa Feldman Barrett, Lição n.º 4).
“A arte, em particular a arte abstracta, é tornada possível porque o cérebro humano constrói aquilo que experiencia. […] O pintor e escultor Marcel Duchamp disse uma vez que o artista apenas faz metade do trabalho da criação artística.” (Ibidem, p. 84) A outra metade é criada pelo cérebro do espectador. O que sentimos é uma combinação daquilo que está lá fora com aquilo que é construído pelo nosso cérebro.

O homem é um animal que gosta de contar histórias sobre os seus desejos e as maneiras que encontra para satisfazê-los. (Para mim, esta é a melhor definição de homem.) Todas essas histórias são inteiramente construídas pelas mentes humanas. Uma vez que qualquer visão do mundo, que é apenas um conjunto dessas histórias, é fortemente influenciada pela sensibilidade, não é possível encontrar uma justificação racional para preferir uma visão do mundo a qualquer outra. Esta é a razão por que existem tantos sistemas políticos e filosóficos e tantas religiões. É muito difícil aceitar que seres humanos se matem uns aos outros por convicções que são puras construções mentais.

Por vezes o mundo parece-me tão absurdo que tenho a sensação de estar vivendo um pesadelo com o qual nada tenho a ver.

“Ou tudo é real, ou tudo é fantástico. É tão estranho termos consciência do mistério como o próprio mistério em si.” (Paulo Bomfim, poeta brasileiro)

Tudo no homem, corpo e mente, é natural, mas a mente é uma manifestação da Consciência Universal que tudo interliga e coordena.

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