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O optimismo de Maalouf, 2025-20

No Ípsilon de 16-05-2025 foi publicada uma entrevista ao escritor Amin Maalouf intitulada “O mundo precisa de ser imaginado”, da qual extraí os seguintes parágrafos:

“Conversei com especialistas, dizem que dentro de dois, três anos, teremos ambos pequenos aparelhos que colocaremos nos ouvidos, cada um falará na sua língua, e o outro ouvirá na língua que compreende. As pessoas deixarão de se preocupar com a língua. Vão falar entre si, independentemente da língua de cada um.
Olho para isso de uma forma fascinante. Temos de aceitar a evolução, de gostar da evolução — e, além disso, não temos escolha. Ou seja, o que acontece não é submetido a um referendo, é uma realidade, não podemos dizer se somos a favor ou contra a globalização, a nossa opinião não importa. São coisas que acontecem e que ninguém controla.
Mesmo os mais poderosos do mundo não controlam nada. Ocupam posições diferentes, mas não são eles que tomam as decisões e não podem parar este movimento. A única coisa que cada um de nós pode fazer é ver como usar as transformações para melhorar as coisas, em vez do contrário. Isto é, ver como uma nova invenção pode melhorar a nossa qualidade de vida, as nossas relações com os outros. É a nossa utilização das novas tecnologias que é importante, a nossa opinião sobre se isso é bom ou mau não tem influência em nada.”

“Com estes meus cabelos brancos, posso dizer que antes sabíamos mais ou menos que uma notícia era verdade, que tinha sido verificada, se a tivéssemos ouvido na BBC. Essas grandes instituições, as grandes personalidades que tinham uma opinião, que tinham peso, já não têm o mesmo papel. Precisamos desse papel, o papel da credibilidade moral, de uma certa autoridade moral. É importante que as pessoas possam confiar que alguém sabe o que está a dizer. Creio que precisamos não de controlar no sentido de impedir a circulação, mas de introduzir cada vez mais um sentido de responsabilidade. E uma formação cívica que não é a mesma que era há uma ou duas gerações, mas uma nova forma de educação cívica adaptada às novas realidades, às novas tecnologias.”

Maalouf parece-me algo contraditório. Diz que não controlamos nada e logo a seguir diz que devemos usar as transformações do mundo para “melhorar as coisas”. Eu penso que a únca maneira de melhorar as coisas seria melhorar a educação dos homens, mas não creio que o resultado vá ser positivo porque não é possível erradicar a loucura. E o progresso da tecnologia torna a loucura cada vez mais perigosa.
O futuro é absolutamente imprevisível e por isso não pode ser moldado. Em virtude da natureza aleatória e caótica do Universo, nem mesmo a inteligência artificial permitirá moldá-lo.

“A natureza humana é ávida de acontecimentos. Espera-os, cobiça-os, ainda que finja receá-los, mas é claro que se trata de um gosto que já não podemos permitir-nos. Porque hoje em dia o acontecimento, até o mais pequeno vôo de uma mosca, pode desencadear o inferno.” (Giuliano da Empoli, in “O mago do Kremlin”, 2022, p. 263) Costuma falar-se do “efeito borboleta” mas Giuliano prefere a mosca, talvez por gostar mais das borboletas

“Sempre pensei que o Céu inventou os problemas, e o Inferno as soluções (é pelos problemas que todas as espécies evoluem; é pelas soluções que congelam e se extinguem. Será por acaso que o pior crime de que há memória se chama ‘solução final’?).” (Amin Maalouf, in O Século Primeiro Depois de Béatrice)
A mente é que vê os problemas mas o corpo é que tem de resolvê-los. Temos liberdade de pensar mas não de fazer. O espírito é livre, mas o corpo não.
A qualidade da vida humana permite-nos supor que, para chegar ao Céu, é necessário passar primeiro pelo inferno.

“E se este mundo for o inferno de outro planeta?” (Aldous Huxley)

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