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Tudo é Consciência, 2025-34

 A redacção deste post foi baseada nos seguintes documentos.

Is Everything Made of Matter or Consciousness? – Rupert Spira & Bernardo Kastrup in Conversation (vídeo do Youtube)
Donald Hoffman – Consciousness, Mysteries Beyond Spacetime, and Waking up from the Dream of Life (vídeo do Youtube)
The Brain Doesn’t Create Consciousness — It Constrains It (artigo de Komal Ghotra, disponível na Internet)
Episódio 7 da série “Para além do cérebro”, intitulado “Física Quântica e Consciência” (disponível na RTP Play)

Durante muitos anos, a maioria dos cientistas e filósofos pensava que a consciência é criada pelo cérebro. Actualmente, um número crescente de pensadores defende o ponto de vista oposto: a consciência existe fora do cérebro e este permite que o ser consciente observe a parte da Consciência Universal que é importante para a sua sobrevivência. Todos os seres estão na Consciência Universal e são consciência, e só existem porque podem ser observados por um ser consciente.
A ideia de que a consciência é criada pelo cérebro é uma ideia materialista, porque para o materialismo só existe matéria e portanto a consciência tem de ser explicada a partir do cérebro. Mas para a ciência não existem qualidades (cores, cheiros, sabores, música, etc.), só existem quantidades: números (medições) e leis matemáticas que relacionam estes números. Por isso, Bernardo Kastrup, defensor do idealismo analítico, pergunta: como pode uma ciência, para a qual só existem quantidades, explicar as qualidades dos seres?
Segundo Kastrup e outros pensadores, toda a Realidade está na Consciência Universal e o cérebro lê essa Realidade para experienciar parte dela. Os qualia (cores, cheiros, sabores, etc.) não são gerados pelo cérebro, estão na Consciência Universal, fora do cérebro, e são observados pelos sentidos. A Consciência Universal é uma componente fundamental do Universo, ao contrário do espaço-tempo, que é uma criação das mentes. A Consciência Universal está fora do tempo e por isso é eterna (vide post 2024-70).
A Consciência Universal possui uma estrutura, que evolui de uma maneira independente dos desejos humanos. Estudar a maneira como esta estrutura evolui é o objectivo da ciência. A física é a parte da ciência que estuda o comportamento dos seres inanimados, e cada vez mais físicos pensam que a consciência desempenha um papel importante em certos fenómenos da mecânica quântica. No episódio “Física Quântica e Consciência” acima referido, o físico Bernard Carr afirmou: “Eu defendo que a teoria final da física irá incluir, de alguma forma, a consciência e a mente”. No vídeo acima referido, o neurocientista Donald Hoffman cita um teorema segundo o qual nenhum sistema cognitivo pode compreender-se completamente a si mesmo. Assim, uma teoria científica que inclua a consciência e a mente não poderá ser completamente compreendida. A Consciência Universal é um organismo animado por leis que nunca compreenderemos completamente.
No mesmo vídeo, Donald Hoffman recorre à teoria da relatividade e à mecânica quântica para mostrar que a física não consegue dar um significado ao conceito de espaço-iempo. Para ele, o espaço-tempo é uma criação da mente, e os objectos dentro dele são apenas uma ilusão, não são realidade fundamental.
No Universo tudo está interligado e a Consciência é a entidade que tudo interliga. Num átomo, cada uma das partículas “sente” a presença das outras. Esta é a forma mais elementar de consciência. Podemos dizer que a Consciência é a entidade fundamental do Universo. Mas ao contrário de Rupert Spira, não consigo identificar a Consciência com Deus. A Consciência permite todas as possibilidades, incluindo a existência de Deus, que para mim é sobretudo Amor e Compaixão. Tal como está, o mundo só poderá ser um pesadelo de Deus.

“A realidade é um todo único e indivisível [a Consciência Universal]. Os nossos sentidos não nos mostram como é a realidade, dão-nos uma aparência da realidade. A mente finita filtra a realidade e fá-la aparecer-nos de uma forma consistente com as limitações das nossas faculdades sensoriais. Os nossos sentidos são como o painel de um avião, mas este painel não mostra o que é a realidade, apenas fornece informação que nos permite sobreviver. Esta informação pode ser precisa, mas não é uma descrição precisa da realidade. Tudo está na Consciência e é Consciência. O nosso cérebro não gera consciência, é a imagem de uma determinada localização do fluxo de consciência. A actividade cerebral correlaciona-se com a experiência porque é a imagem da mesma; a imagem de um fenómeno, é claro, correlaciona-se com o fenómeno do qual é uma imagem. O corpo não gera consciência, é apenas a aparência da localização da consciência vista do exterior. Pode-se delinear os limites do corpo e dizer ‘aqui está o corpo’. No entanto, não há nada no corpo para além da consciência, é apenas a imagem de uma certa localização do conteúdo consciente.” (Bernardo Kastrup)

“A consciência é aquilo cujas excitações são experiências. Se tem experiência, então é consciente, mesmo as experiências mais simples já implicam consciência. Tecnicamente, isto chama-se consciência fenomenal, e é a isto que me refiro quando uso a palavra consciência. Acredito que a consciência é primária. Posso explicar tudo o resto em termos de consciência, mas não a consciência em termos de outra coisa, porque não se pode reduzir uma coisa a outra para sempre; a dada altura atinge-se o fundo do poço na realidade, e acredito que a consciência é esse fundo do poço. Não há nada em termos do qual eu possa explicar a consciência. É por isso que prefiro dizer que a consciência é simplesmente aquilo cujas excitações são experiências. A consciência não é uma coisa, a consciência é aquilo dentro do qual as coisas aparecem, não é em si uma coisa, não é em si uma substância no sentido literal. A consciência é pura subjetividade.” (Idem)

“O mundo tal como é em si mesmo, sob o materialismo, não tem qualidades, não tem cores, não tem sabores, não tem cheiros. Ele tem matéria. O que é a matéria? É algo inteiramente definido em termos de quantidades, de números e relações matemáticas entre estes números. É uma abstração, não se consegue visualizá-la. Mas, teoricamente, se fornecer uma lista suficientemente longa com os números relevantes, terá sido dito tudo o que há a dizer sobre a matéria, tal como definida sob o materialismo: não tem qualidades. Sob o materialismo todas as qualidades são de alguma forma, ninguém tem ideia de como, nem mesmo em princípio, geradas pelo seu cérebro dentro da sua cabeça. A maioria dos materialistas casuais, se se apercebesse disto, diria que é um absoluto disparate. Estão a substituir a realidade por uma abstração, que por acaso também não funciona, porque não existe uma forma coerente e explícita de dizer como as quantidades podem gerar qualidades. É um absurdo, é uma inversão de raciocínio, digamos assim.” (Idem)

“Assim, o problema difícil da consciência é insolúvel. O que o problema difícil mostra é que existe uma contradição interna no modo de pensar materialista, e não há forma de a resolver se quisermos continuar no caminho materialista e explicar a experiência em termos de quantidades. Isto já é incoerente em princípio, quanto mais na prática. Temos de voltar atrás e tentar um caminho diferente. Se alguém nasceu dentro da cabine de um avião e tudo o que sempre teve foram os mostradores, a sua linguagem evolui em torno do paradigma dos mostradores, e tenta dar sentido a tudo em termos de mostradores, e é isso que estamos a fazer. É um pouco disparatado, mas é compreensível, é errado, mas é compreensível até certo ponto.” (Idem)

“O materialismo não explica a experiência, que é tudo o que temos. Define a matéria como algo que não tem nada a ver com qualidades e depois procura explicar as qualidades em termos de matéria. Há aqui uma incoerência interna. O materialismo é a pior opção disponível neste momento; é literalmente risível. A razão pela qual não nos rimos dele na cultura é que a cultura fabricou plausibilidade para ele. O cérebro é como a sua vida interior consciente, especialmente a parte metacognitiva, se parece quando observada de fora. Se observar combustão, parece-se com chamas; é a imagem do fenómeno e, portanto, correlaciona-se com o fenómeno; mas a imagem não é a causa; a imagem é uma aparência; é isso que o cérebro é. Pela minha experiência, não existe cérebro, porque as minhas experiências são vivenciadas directamente por mim; tenho uma perspectiva de primeira pessoa da minha vida interior consciente. Mas se um neurocientista fizer uma ressonância magnética do meu cérebro, observará determinados padrões de actividade cerebral. Este é o seu ponto de vista sobre as minhas experiências, por outras palavras, é assim que as minhas experiências directas lhe parecem quando me observa de fora.” (Idem)

“As leis da ciência não se tornam redundantes por tudo isto. A ciência é o estudo, a modelação e, em seguida, a previsão do comportamento da Natureza. A compreensão de como a Natureza se comporta permanece a mesma, independentemente do que a Natureza seja – seja ela o que for, comporta-se da forma que sabemos que se comporta. Ora, este conhecimento é muito limitado, há muitas coisas que não sabemos sobre o comportamento da Natureza, mas nenhuma das coisas que sabemos é invalidada pelo idealismo. A ciência continua válida. O que cai pelas fendas, e depois pode ser refutado, é o cientificismo, é a tentativa de criar uma metafísica oculta a partir de certos preconceitos científicos sobre como o mundo deve ser para que se comporte da forma que se comporta. Mas a ciência em si, não, ela mantém-se intacta.” (Idem)

“De alguma forma, estamos todos interligados, o que significa que certos acontecimentos que nos ocorrem estão ligados ao futuro. Isto é extremamente inquietante. Já pensaram bem? Se sempre que tivermos uma percepção, ela possa dizer-nos algo que vai acontecer no futuro, isso é assustador. Mergulha-nos numa enorme incerteza. Isso não é o tempo como o conhecemos e penso que os físicos não estão de acordo uns com os outros. Qual é a natureza do tempo? Qual é a natureza do espaço, fundamentalmente? Uma das hipóteses a que somos conduzidos é que o espaço e o tempo, tal como os imaginamos, são na realidade construções do cérebro. Ou seja, o cérebro constrói um espaço de representação, quase como um espaço de realidade virtual, no qual o espaço e o tempo são as coordenadas das nossas experiências subjectivas, mas o espaço e o tempo, a passagem do tempo tal como a percepcionamos, e o espaço, como tal, não existiriam em si mesmos. Há aliás muitos estudos em física que dizem quase a mesma coisa. Portanto, o espaço-tempo seria uma construção do cérebro. Mas a partir do momento em que aceitamos esta hipótese, ela sugere que o facto de estarmos aqui no presente, no espaço e no tempo, é uma construção de cérebro, mas que, na realidade, somos um pouco como uma gota no oceano. Que estamos, na verdade, diluidos no espaço e no tempo. A maior parte do tempo, não nos apercebemos disso, mas em certas condições extremas, em que a nossa vida está em perigo, teríamos essa capacidade de voltar de imediato a esse estado de diluição, como num oceano, e de nos podermos deslocar no espaço e no tempo. O grande problema é que todos os nossos modelos científicos assentam na ideia de dispositivos inseridos neste quadro espácio-temporal. Deste ponto de vista, poderíamos fazer um paralelo com o trabalho de Freud, que, quando propôs a hipótese do subconsciente, foi objecto de muitas críticas, que se prolongam até hoje, porque é uma hipótese que cria muitas incertezas. Diz que não somos nós que controlamos o que se passa dentro de nós, que o nosso subconsciente é o mais forte e que a nossa percepção consciente é secundária. É uma espécie de ‘ferida narcísica’. Neste caso, se os estudos actuais forem relevantes, se a hipótese que defendem for relevante, vai provocar uma ‘ferida’ ainda mais grave do que a de Freud, pois significa que nem sequer estamos aqui. Compreende? Ou seja, se antes pensávamos: ‘Muito bem, somos controlados pelo subconsciente, mas pelo menos somos algo de concreto, estamos aqui e agora’. Só que, afinal, talvez nem isso. Podemos então imaginar o grau de incerteza que isto cria. Significa que o mundo em que vivemos é, na verdade, uma construção do nosso cérebro, é uma ilusão, vivemos numa ilusão, e que o mundo, como tal, possui leis que não compreendemos. A posição dos cientistas varia muito. Os cientistas são pessoas bastante abertas. Um bom cientista tem a mente aberta. Por exemplo, na física, os físicos estão habituados a que o seu modelo evolua. Sabem que, num dado momento, poderá surgir um novo modelo, como aconteceu com Einstein e a relatividade, que virou o mundo dos físicos de pernas para o ar. Portanto, os físicos estão habituados a isto e, quando falamos com cientistas, alguns estão abertos a estas questões. Penso que é preciso ser extremamente humilde no domínio científico.” (Thomas Rabeyron, in “Física Quântica e Consciência”)

“O que a ciência faz é construir descrições a partir de certas perspectivas. Um cientista parte duma perspectiva e constrói uma descrição. Existe um teorema segundo o qual nenhum sistema pode compreender-se completamente a si mesmo. Portanto nenhuma teoria da consciência pode explicar completamente a consciência. A consciência transcende qualquer teoria científica. A ciência diz-nos que não existe nenhuma Teoria de Tudo. No âmago de tudo há um enorme mistério, não somos independentes deste mistério, cada um de nós é uma parte deste mistério. Só a Consciência é fundamental, e a Consciência Universal procura compreender-se a si mesma a partir de uma infinidade de pontos de vista.” (Donald Hoffman)

“Temos baseado toda a nossa investigação num modelo obsoleto da realidade, que simplesmente está extinto, pelo que não há esperança de explicar a Consciência a partir da atividade neural ou da estrutura causal dos substratos dentro do espaço-tempo, ou das propriedades funcionais dos substratos dentro do espaço-tempo; não é possível. Porquê? Porque o próprio espaço-tempo é meramente uma estrutura de dados trivial e superficial. E os objetos dentro dele, por exemplo, o que são partículas? Quando se pergunta o que é uma partícula física, como os bosões, os leptões e os quarks, as partículas elementares do modelo padrão, os físicos dirão que são apenas representações irredutíveis do grupo de simetrias do espaço-tempo.” (Idem)

“O espaço-tempo não é fundamental. O espaço-tempo é apenas uma forma das nossas percepções, e os objetos físicos dentro dele também não são fundamentais; são como óculos de realidade virtual que a evolução nos deu para jogar o jogo da vida.” (Idem)

A criação de um ser é simplesmente o seu aparecimento na Consciência Universal.

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